Roubei uma loira ao meu amigo.
Ele, com o seu charme já reconhecido perante toda a comunidade estudantil, perguntava-lhe que línguas é que ela falava... Quando ela, de entre outras, disse português, ele num rompante me chamou e quis exibir-me (talvez achando que isso o fosse ajudar ou tornar a conversa mais interessante...) Infelizmente para ele, ela começou a falar cada vez mais comigo (talvez tenham sido os meus olhos amêndoados ou um sentimento de que eu a compreendia melhor que qualquer um dos que a rodeavam numa pacífica luta pela sua atenção).
Ao fundo gritavam e erguiam em braços o vencedor do torneio de uísque - aquele que virou uma garrafa sozinho primeiro. E ela continuava a falar-me sobre os assuntos menos esperados numa festa, como se o mundo todo estivesse parado, em absoluto silêncio e, só eu existisse agora e a nossa conversa; como se fossemos amigas e aquele momento fosse tal e qual como as duas de pijama, num sofá, a conversar às 4h da manhã, as duas, sobre o sexto sentido das nossas vidas.
"Todos correm e tens que parar e perguntar «Porquê?», «Para onde?». Saber se preferes correr na direcção oposta. Mesmo que não saibas (porque não o saberás), se é o correcto. Ter coragem de o assumir mesmo que ninguém te entenda e te chamem até de louca. Fazer o queres e não o que os outros querem de ti."
Entre este jorrar de ideias (ela falava como se estivesse quase febril ao mesmo tempo que feliz por ser diferente e ter perdido tempo a pensar que poderia Querer Ser Diferente) fazia algumas pausas para tentar apanhar o fio à meada do seu próprio pensamento e aproveitava para perguntar-me: "...Percebes...?".
"Todos queremos viajar mas poucos sabem porquê. Eu sei! - para conhecer as gentes..." (e eu que só queria ver o sol pôr-se em diferentes tons...) "....Quero falar com as pessoas. Mas não sobre os assuntos de sempre, as perguntas cliché, os interesses socialmente desejáveis. Não. Não sobre o que deveriamos falar, mas sobre o que queremos, o que pensamos..." (e eu que só vejo perguntarem "de onde és?" "o que há de interessante no teu país?") "...A opinião das Pessoas do Mundo e não só dos que «têm direito à opinião»."
Entre este minuto e aquele, confessa-me que só estuda Gestão porque... era preciso. Na verdade, queria ser psicóloga - "Se o teu avô pintasse um quadro, um bom psicológo poderia dizer, por exemplo, que ele se casou sem realmente o desejar, que é mais feliz aqui do que ali e que prefere isto e aquilo, e que a sua personalidade desenha-se a cada traço seu... Só pelas suas formas, cor e composição. É isso que eu quero." (e eu que me pergunto todos os dias o que Eu quero...)
As pessoas já começavam a interrompê-la e a puxar-me aqui e ali... Ela termina dizendo: "Ser para sempre e, lutar por ser, uma criança na ingenuidade de querer saber tudo, e ouvir, e aprender, sem a mente fechada, pré-concebida, organizada e trabalhada pela sociedade em que querem que te insiras."
(E eu que roubei uma loira ao meu amigo, e ela roubou-me um momento para que eu pudesse roubar-lhe as palavras e saber agora expressar parte do que também eu quero).
1 comentário:
Ah sua dupla postadora..era este que eu queria comentar! Ia dizer que essa pessoa não sabe muito de psicologia! Mas já não me lembro porquê. Tinha toda uma pseudo-teoria porque na altura, estava numa de achabaçar alguma coisa. Mas agora..foi-se.
Ainda assim gostei do devaneio da loira...
E são textos destes que eu gosto em ti.
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