sexta-feira, julho 30, 2010

Vê-me

Estão a chegar-se… Cada vez mais perto, estão a chegar-se.

E eu vou sorrindo, como quem não percebe… Vou trocando o passo e desviando o assunto…


Vão falando de cores que pensam interessar-me, só que as linhas são mais rectas do que o seu gingar. Julgam-me mais do que me conhecem.

Dou um passo atrás, e sorrio, como manobra de diversão para me aperceber do espaço que ainda me resta…


A conversa continua e pergunto-me se não sou suficientemente clara...?! (talvez julguem que conseguem ver através de mim…) E, despercebidamente, dou mais um passo atrás.


Desviando o olhar, procuro em volta por algo inesperado que me salve e, sorrindo cada vez menos confortável, continuo a sentir chegarem-se…


Um sufoco começa a impedir que possa fingir mais que isto também faz sentido para mim...


Pronto!, já senti a parede fria nas minhas costas! Agora já não tenho espaço de manobra para escapar...!



(Não sei o que querem. Mas sei que é de mim… E isso, assusta-me.)

quinta-feira, julho 29, 2010

Descalça

Encontramo-nos sempre descalços. E não é que nos vejamos apenas em locais que assim o exijam. É porque seja lá onde estivermos, tiramos os sapatos - talvez assim não nos magoemos tanto quando nos pisarmos.
Mas a razão mais proeminente poderá ser ainda, talvez, que já nos custa tanto andar que, quem sabe, descalços seja mais fácil... (nunca ouvi dizer que saltos altos eram mais confortáveis do que caminhadas na praia)
Porém, quando tiramos os sapatos e expomos a pele ao mundo exterior, é também de referir o quanto mais doi se pisarmos algo que não contávamos estar no chão.
Há muitos anos que tenho um pico no pé. Nunca o tirei. Ali está, já faz parte de mim. Já se acomodou à minha pele e é-me, agora, mais difícil arranjar coragem para enfiar uma agulha e tirar o pico, do que continuar a viver com ele. E, mesmo assim, continuo a tirar os sapatos...
Ainda no outro dia, por estar de sapatos, troquei o passo e caí. Não foi bonito. Foi um acontecimento extremamente humilhante - dado que assisti a tudo em câmara lenta e nada consegui fazer para o evitar - e francamente triste - dado que estava sozinha mesmo à porta de casa. (Não sei se se poderá considerar uma humilhação na ausência de alguém que nos julgue ou julguemos que assim o faz...?!) De qualquer forma, calçada, vestida e a carregar um montão de papéis, fiquei no chão, com um furo nas calças e as folhas a voarem consoante os sopros do vento que se sentiam nessa tarde, tão cansada, que poderia até ter sido derrubada por mais fraco acontecimento.
No sítio dos papeis, falávamos de tatuagens escondidas, como uma metáfora para uma personalidade oculta debaixo de fato e gravata num escritório com ar condicionado no máximo, enquanto lá fora o termómetro já rebenta os 31º. Riamos, mal sabendo os ténis sujos de concertos que guardo na mala chique que carrego em saltos agulha. Talvez também me tente elevar com tecidos mais finos e cortes mais formais. Mas, se já andei em pijama por Vila Nova de Mil Fontes, (de biquini nem conto os sítios!...) posso bem andar descalça por aí.

terça-feira, julho 13, 2010

Olhares Recíprocos

Tenho uma amiga que anda a insistir no jogo dos olhares. Ela acredita que ninguém troca olhares sem interesse mais profundo, e que se lhe retribuem o olhar, é porque há interesse. Disse-lhe que no outro dia estava no metro e parecia-me que todos olhavam para mim... mas que talvez fosse porque EU estava a olhar para todos como uma obcecada.
Dito isto, conclui-se que o romance e os jogos sedutores podem ter dois planos imaginários muito diferentes.

quinta-feira, julho 01, 2010

Uma Tarde

Era uma tarde de Verão. Uma tarde como tantas outras... Só que o Verão acabava de chegar este ano e algo tinha mudado - pelo menos, para ele - desde o Verão passado. Mesmo assim, para muitos, era uma tarde de Verão como tantas outras - pelo menos, para ela.
A porta da entrada do prédio estava entreaberta. No Inverno ainda havia o cuidado de baterem com força para a fechar; no Verão os estragos ajudavam a que corresse uma corrente de ar, ainda que quente (mas quem é que não gosta dessas aragens quentes de Verão?) pelo prédio antigo. Subiu os degraus de madeira (também ela de certa idade), acompanhada pelo ranger das tábuas que já tão bem conhecia, não poupando no entanto, a preguiça dum chinelar arrastado, como se o dia na praia a tivesse obrigado a carregar o sol em ombros até à cidade.
Quando chegou ao 3º andar, suspirou, e deu um último pesado passo, elevando o braço para bater à porta. Do lado de dentro do apartamento, ele gritou, como que por entre mil afazeres: "Já vai!". Ela estranhou - normalmente ele diria "entra..." e bastaria rodar a maçaneta, atirar-se para o sofá e ficar feliz por finalmente descansar sob a brisa que vinha da, estrategicamente localizada, janela, grande e quadrada que, de resto, se enquadrava na perfeição no traço antigo da casa. Quando não se entregava ao sofá, abria a janela, sentava-se no seu parapeito e passava ela a enquadrar-se numa foto em contra-luz extraordinária - mas não para ela, para ele. Nestes fins de tarde juntos, ela queixar-se-ía de como a vida era difícil ou contaria de um modo um bocado atabalhoado os últimos acontecimentos, misturando factos com o seu parecer, deixando-o apenas com um sorriso por ela ali estar, faladora e incerta, como sempre, sem dar importância, necessariamente, a todos os seus devaneios. Era o bastante vê-la ali, saber que estava ao seu lado, em oposição ao restante tempo dos dias em que só podia imaginar onde ela estaria, o que fazia e com quem estaria a partilhar as suas risadas, lamentos e observações. Mas não desta vez: o bastante já não era suficiente, e esta tarde não era como tantas outras - especialmente para ele.
Enquanto esperava do lado de fora, entrelaçava o cabelo por entre os dedos e bufafa de calor. Olhando em volta, aproveitava também para do mais pequeno pormenor (como estar ansiosa por ver a porta abrir-se e lembrar-se da música "Dá-me Luz" - da qual só sabia o título por relacioná-la à de Jorge Palma, "Dá-me Lume") tecer mais um dos seus fios de pensamento, tão disconexos para qualquer outra pessoa - e nem ela sabia a maioria das vezes lembrar-se como é que tudo tinha começado - mas tão típicos da sua mente: Lembrou-se da noite em que viu Jorge Palma sentado ao piano do Casino Estoril e na falta de interesse de tantos que se deslocaram lá, e lá, viravam as costas ao artista. Pensou na palavra "Respeito" e em como um dia, num qualquer país que já nem se lembrava ao certo, lhe "pediram" para vestir o casaco à entrada de uma Igreja. Ora, se para ir à Igreja, há que respeitar os princípios desta, para ir ver um espectáculo, há que prestar atenção!
As observações eram um traço marcante desta rapariga. Nem sempre eram ditas com noção de como soariam depois de expostas. Era comum dizer algo que não lhe parecia muito grave, para se aperceber logo após, pelo silêncio ou expressão facial de quem a acompanhava, que era julgada não ter coração ou o mínimo tacto para conseguir dizer o que dizia. Outra vezes, nem era necessário que abrisse a boca para espantar os outros - quando não sabia o que dizer, comportava-se de formas que ainda tornavam as suas poucas palavras piores do que o discurso mais hostil possível. Escusado será dizer que era uma pessoa... vá, digamos: Especial.
Perguntar-nos-emos, então, por que é que parece que este rapaz está apaixonado por esta rapariga?... Não saberei responder a essa questão. Sobre sentimentos poder-se-à dizer muito, mas nunca o suficiente como senti-los. Pelo passado, poderei estimar que as relações mais estreitas com esta rapariga eram difíceis para quem estava do outro lado. Porém, testemunhos afirmam que quando se estabelece um laço, ele é fortíssimo e, há uma marca que esta menina deixa, bastante pessoal que, estranhamente, é com carinho que se passa a pensar nela. Claro está que, sendo quem descrevo acima, não poderá transformar-se completamente num oposto após a criação de uma relação mais íntima. Sim, continuará a ser fria e desapegada mas demonstrará também um outro lado. E é, talvez, esse electrocardiograma entre a raiva de quando ela é insensível e finge que nada lhe toca, e a ternura que é quando a apanhamos a jeito, que apaixone; assim como a segurança que consegue incutir - desde já, inesperada - que agarre, então, qualquer um a alguém tão improvável... bastando para isso que se dê tempo ao tempo!, e este lhe dê o tempo dela.
Para o leitor mais atento, poderá ainda colocar-se a seguinte dúvida: "Que tanto fazia o rapaz de especial dentro do apartamento nesta tarde?". Infelizmente, também nunca soube. Só sei relatar que de tanto esperar (ou apenas, "um pouco" bastante ampliado pela sua impaciência), ela já se tinha sentado nos degraus ao lado da porta branca do apartamento. De repente, ele abre a porta e logo lhe sorri, com nervos incendiando internamente um "é agora ou nunca!...". Ela levanta a cabeça e enquanto se ergue em gestos pesados do calor, esgotada e desesperada por se atirar ao sofá do outro lado, diz, já no fim da sua pequena gentileza: "Ainda bem que esperei sentada!...". Ouve-se uma porta bater! - resultado da corrente de ar que se gerou, não só no prédio como no íntimo daquele, agora menino, que viu apagar-se a chama e as expectativas que tinha para esta tarde que, por momentos desejou diferente, mas se revelou igual a tantas outras...