quarta-feira, abril 26, 2006

Contagem Decrescente



Liberdade

Hoje o meu pensamento fluiu pelas diversas formas de liberdade, nos seus diversos campos de acção e o quão controversa esta pode ser.
Primeiro estava tudo silencioso e uns cães começaram a ladrar. Os mais citadinos, barafustaram. Eu, mais ou menos citadina que qualquer um deles, recordei. À memória veio-me uma aldeia. Os cães a ladrarem numa noite de Verão com todo o silêncio que nos circundava lembrava-me uma aldeia. Talvez tal como quando como algo com uma especiaria que a minha avó utiliza e é raro saboreá-la vinda de outra pessoa, a minha memória remete-me para lá. Como é que podemos libertar-nos da memória? Neste caso a reminiscência é de felicidade. Mas e quando não o é? Quando não o é, traz a mágoa. E uma profunda mágoa ou até mesmo revolta traz perturbações.
A revolta vem a mim quando vejo filmes como “Os Condenados de Shawshank” ou “Sleepers”. O abuso do poder, a injustiça e a falta de força (no sentido hierárquico) para virar o jogo. Por vezes é necessário ser paciente e inteligente, outras vezes uma vingança passional equilibra a balança.
Porém, além das atrocidades que podem dar-se dentro daqueles muros, o primeiro filme também mostra um outro lado. Prisioneiros que cumprem pena há tempo suficiente para dizerem que ali viveram a sua vida. Para começarem a contrariar os receios vulgares, e temerem mais o exterior do que os quatro pontos tatuados na pele. E aí? Para que lado pende a liberdade?
Por fim, a liberdade no amar alguém. A questão que emergiu foi: se tivermos uma relação com alguém, se amarmos alguém, e depois acabar, poderemos dizer que realmente acabou? Se, depois de outras relações, a vida nos levar a unirmo-nos novamente com essa mesma pessoa, poderemos dizer que algum dia a deixámos de amar? É que, se sim, então estamos a apaixonarmo-nos por outra pessoa que tem o mesmo corpo? Ou nós mudámos e o nosso novo eu está a apaixonar-se pela mesma pessoa? Como é que podemos afirmar que deixámos de amar alguém que depois voltamos a amar? Será que o entretanto não é apenas mágoa e vontade de esquecer?
Sei, de algum texto gravado em folha branca ou de sabedoria que alguém me passou, que o Homem terá sempre liberdade de pensamento.
O único fim à nossa liberdade é a morte. E, mesmo essa, há quem acredite que é o início da maior liberdade de todas.

Os Condenados Pela Imaginação

Bati com o portão e segui pelo caminho mais directo embora fosse aquele em que no meu estado normal menos me agradasse – o carreiro de terra.
Antes de atravessar a estrada muda, olhei para os dois lados e assim o repeti enquanto abria a porta do carro.
Embora já tivesse percebido que não havia ninguém nas imediações, nem sequer um cão vadio, precisei de voltar a confirmar, esquecendo as leis físicas que asseguravam que, se certificado previamente, não seria possível uma aproximação tão rápida do meu corpo, e sem nenhum som denunciante.
Mal bati com a porta, carreguei no fecho central. Estava em segurança mínima. Liguei o carro, o rádio, e segui…
Reparei que estava a pisar demasiado no acelerador. Pensei: E se eu me suicidasse? E se eu morresse hoje?... num dia tão banal, como acontece nos filmes – “Uma pessoa normal morre sem causa prevista. Familiares e amigos encontram-se ainda em estado de choque.”.
Quando passei por um rapaz que andava no passeio à minha direita e seguia a mesma direcção que eu, e ele olhou para o meu carro, apercebi-me que talvez o estivesse a puxar demasiado.(Ao carro, isto é) Resolvi, então, deixar de ter estes pensamentos parvos e concentrar-me na minha condução.
Um pouco mais à frente, num segmento deserto, um peão atravessa a estrada por que eu passo. Era um amigo meu. Ou um antigo amigo. Ele vira a cara na minha direcção e eu olho-o de frente… mas não sei se me vê. A mim.
Continuo e tenho um carro parado à entrada da rotunda sem que houvessem carros alguns a contornar a rotunda.
Prossigo o meu caminho e a mesma música country que toca desde o início na estação de rádio, continua. De certa forma, a música ainda me fazia sentir mais dentro de um filme. A banda sonora perfeita para um pré-desastre.
Quando me aproximo de casa vejo pela primeira vez umas luzes azuis plantadas na relva. Senti então que estava a chegar à meta. Estaciono, entro e corro escadas acima para poder escrever estes meus últimos 10 minutos da forma mais real possível.

...Agora já me sinto mais segura... se bem que ainda um pouco frenética.
Juro que é a ultima vez que vejo “Os Condenados De Shawshank” e conduzo sozinha para casa a ouvir música country.

sexta-feira, abril 07, 2006

Awake until the morning comes

Parece-me que é mais fácil partir do que ficar.
Quando descobrimos alguém que nos seduz com enigmas e, finalmente, descobrimos a solução dos enigmas... mas percebemos que o enigma resolvido, agora, já não faz sentido... O tempo passou. Passou demasiado tempo. Agora já não vai poder ser o que devería ter sido... no seu tempo. Mas se tivesse sido mais cedo, também não tería acumulado tanto, talvez não tivesse aquele sabor de...fogo.
Embora seja uma decisão inteligente dizer que não, parece-nos um pouco irrazoável, depois de tanto tempo gasto na luta para chegar à resolução. Mas as circunstâncias já não são as mesmas, as regras do jogo já mudaram e continuar em jogo agora significa andar numa "aresta de fogo".
Então, é mais fácil partir do que ficar.
Para quem parte, há um mundo novo, uma oportunidade de começar outro jogo.
Para quem fica, ficam as lembranças a espreitar pela janela que dá para onde tudo começou e... talvez até para onde tudo acabou.
Mas o fim de algo é sempre o começo de uma outra coisa. Uma coisa diferente.
Aqui, num tempo diferente, as escolhas são outras. A aprendizagem leva-nos a sermos mais ponderados. É uma construção mais previsível. É algo mais sólido. E, também por isso, quando começa a acabar é por desvanecimento. Aqui a decisão é a de dizer que sim, que acabou. Aqui, parece-me ser mais fácil ficar do que partir.


"E deixar-me devorar pelos sentidos
E rasgar-me do mais fundo que há em mim
Emaranhar-me no mundo e morrer por ser preciso
Nunca por chegar ao fim"
M.V.